quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Entre a casca de laranja e o cigarro de filtro vermelho.


Debaixo da soleira da porta havia uma pequena casca de laranja que havia sido deixada a pouco. Nem sinal de movimentações, nem sinal de qualquer indício de vida no lugar. A casa mostrava-se vazia, estava o ambiente todo inócuo. Ao fundo conseguia-se ouvir de algum aparelho de som a voz rouca de Billie Hollyday que preenchia todo o ambiente inebriando os corações que por ventura estivessem por chegar, ou acabaram de sair. Era uma manhã de sol dessas de agosto que são muito frias mas não se observa nuvem alguma no céu. Era uma manhã calma, onde o silêncio era cortado apenas pelo barulho voraz dos carros conduzidos por motoristas que passavam pela frente da casa a caminho do trabalho.
A casa. A casa não era muito grande nem muito pequena. Era do tamanho certo para uma pessoa que vivesse sozinha e vez ou outra recebesse algum amigo. A sensação que se tinha ao entrar pelo hall e entrando mais ainda pela sala era que alguém tinha acabado de colocar os objetos no lugar. Tinha-se sempre a impressão de que haviam tirado pó e recolocado o objeto no mesmo lugar, ou quase. Tudo era sempre organizado e limpo, e podia-se sentir no ar um leve aroma cítrico, algo como laranja, ou folhas de limão. Esse cheiro que por vezes tornara-se enjoativo para o personagem que está por surgir agora, era cortado apenas por um outro aroma salgado que pairava no ar.
Por algum motivo era como se a casa estivesse sem vida. O telefone começa a tocar. Nada. O telefone continua tocando. Nada. Ao lado da mesinha onde ficava o telefone estava um cinzeiro cheio de pontas apagadas de cigarros de filtro vermelho. Apenas um estava aceso, mas quase apagado, por algum motivo alguém deixou o cigarro queimar sozinho. Por algum motivo alguém saiu e não pode voltar para terminá-lo.
Falemos sobre o aroma. Não o aroma cítrico e bucólico, mas o aroma salgado. Ele surge logo antes do telefone tocar, antes mesmo do cigarro ser aceso. Logo depois da laranja ser cortada. Além da soleira da porta que estava entreaberta observava-se uns pezinhos. Uns pés descalços e limpos como de quem acaba de acordar e por alguma razão não pôs os chinelos. Além dos pezinhos estava uma possa de sangue vermelho ainda quente. Na mão do corpo que continha os pezinhos estava uma laranja semi-descastaca . Uma porta bate. Já são dez horas, os carros já não fazem tanto barulho, o telefone já não toca. O silêncio retoma a casa, em uma manhã de cheiro cítrico e salgado a rotina tão própria havia sido quebrada.

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